quinta-feira, 23 de abril de 2009

Review: Wears The Trousers Magazine (20/04/09) (Tradução!)

Tori Amos
Abnormally Attracted To Sin •••
Island

Com seu décimo álbum de estúdio, Abnormally Attracted To Sin, sendo seu quarto a alcançar uma linha de tempo acima dos 75 minutos, é hora de encarar os fatos: Tori Amos é, num sentido mais literal, generosa a um erro. E mais... É um erro que se torna mais e mais frustrante com cada lançamento bienal sobrecarregado. Igualmente amaldiçoada e abençoada com uma dádiva que continua se oferecendo, Amos poderia justificadamente reivindicar o título da pessoa que mais trabalha na indústria. E há muito para ser admirado em sua tenacidade e perspicácia. Mas onde está o limite entre o desejo de fornecer e uma surpreendente falta de controle editorial? Em algum lugar, Amos o atravessou.

Continuando com a idéia espiritual da “dádiva”, Amos sempre foi convincente em sua crença de que as partes essenciais de suas canções são colhidas subconscientemente do éter, e Abnormally Attracted To Sin continua nessa linha. Quando as músicas começaram a surgir, ela não tinha planos para fazer um novo álbum. Como ela poderia? Já estava promovendo um livro (o impressionante banquete visual Comic Book Tattoo), preparando um DVD ao vivo, e escrevendo um musical baseado num conto de fadas vitoriano. Mas Amos não concluiu dez álbuns olhando até o esôfago de um cavalo dado, e ela laboriosamente se sintonizou.

Seria grosseiro dizer que os sinais teriam sido decifrados, mas Abnormally Attracted To Sin desenha-se em severos elementos diferentes – muitos dos familiares caminhos de Tori – e conseqüentemente sofre de uma abordagem veja-o-que-cola. Como resultado, nos deparamos com algumas mudanças extremas do sublime ao ridículo, enquanto a seqüência de canções acaba dizimando as continuações dinâmicas e transições entre músicas, tão características dos seus trabalhos anteriores. Alguém que esteja esperando, desesperadamente, por um retorno a algo que lembre coesão deve talvez desligar o aparelho depois das quatro primeiras músicas.

Tudo começa de forma perfeita, como se pode ver. Como uma música que abre o álbum, você não deve esperar outra senão “Give”. Com uma intensa e sofisticada batida de música eletrônica, a canção funciona como se estivéssemos penetrando dentro de um pedaço de chocolate preto de Morocco (Marrocos ou cidade americana), depois de provar de adoráveis (no entanto, definitivamente comuns) confetes do American Doll Posse. Uma prodigiosa linha de bateria caminha sinistramente através do coração da música, assim como o vocal de Amos, ofertando talvez seu melhor desempenho em uma década. Ele está preste a ebulir em um acesso de ira potencial nos versos, e chega alto em seu registro superior (upper register) no refrão. Piano e guitarra são usados moderadamente, enquanto uma desorientante enxurrada de sintetizadores é emitida através dos auto-falantes, quase constantemente.

Além do desempenho surpreendentemente teatral, parte da beleza de “Give” reside na forma como a letra é aberta a diferentes interpretações. Quando alinhamos os versos com a temática geral do álbum – desta vez não chamamos este de conceitual – de re-avaliar as noções de pecado, aceitabilidade social e poder poderíamos imaginar Amos cantando sob a perspectiva de uma prostituta; igualmente, há algo de vampírico nos versos, com as referências ao amanhecer e a derramamentos de sangue. Você poderia até dizer que é simplesmente Amos defendendo seu direito de fazer longos álbuns, mas isso não é tão excitante quanto às outras idéias de cima.

A partir deste ótimo início, o primeiro single “Welcome to England” surge, e julgando pelas primeiras audições, seria quase mais um Tori-by-numbers. Logo, porém, os detalhes mais sofisticados da produção emergem. É interessante ouvir o piano competir com camadas de sintetizadores e guitarras, enquanto Amos soa confortável. Se essa canção prova algo, é que Tori pode fazer singles cativantes sem recorrer a borboletas ou acrônimos que prendam a atenção. A ambivalência pós-imigração é muito mais chamativa, e a idéia de “inferno diário”, sendo transcendida através da imaginação criativa, é uma coisa na qual podemos acreditar.

O rock’n’roll denso e cheio de alma de “Strong Black Vine” grita sobre uma cama dramática de baterias e cordas, com um órgão Hammond bem vindo, mixado posteriormente com os sintetizadores e a guitarra. Liricamente, parece ser uma convoluta apunhalada ao alinhar juntamente temas pesados como a guerra, religião e o desejo insaciável dos EUA por combustível; mas esta não é “Dark Side Of The Sun”. Amos usa sua vasta reserva de imagens a seu favor, aparentemente insistindo no assunto para expandir mentes, talvez por usar um pouco de sua velha amiga ayahuasca (uma vinha alucinógena que cresce na América do Sul). Não importando o meio, a idéia é de que o opressor precisa ser subjugado. “Flavor”, canção mais gentil, acaba mostrando Amos meditando sobre o poder da mídia, apesar dela não fazer isso de um jeito óbvio. O sabor em questão pode ser tanto amor como medo, e a discussão gira em torno de como estamos sendo influenciados a não refletir acerca dos fatos, invés de ter compaixão, especialmente no que diz respeito a sistemas de crença mal-interpretados. Esta pode ser uma explicação. Musicalmente, a canção tem uma vibe contemplativa e espacial, o que lhe faria caber bem no To Venus and Back.

Caindo de volta na terra, no entanto, Amos foi tirada de seu percurso e de algum modo acabou dentro de um ônibus, com um apostador, um limpador e um mestre de marionetes. Sim, não pergunte. Sem estabelecer direito um ponto nela, “Not Dying Today” é bastante abominável em cada nível, e daqui a diante, o álbum transforma-se numa trilha de treinamento do exército, feita de momentos grosseiramente justapostos.

Previsivelmente, algumas canções tem a atmosfera de “feita para Broadway” e Amos caminha sobre uma linha tênue nestas. “Maybe California” não sugere ser uma óbvia produção para o palco de primeira, mas quando a bateria tocada com vassourinhas aparece e o refrão começa a rodopiar, não é difícil vislumbrá-la como uma dessas baladas pivotais, usadas antes de uma pausa para um novo ato. Embelezada com boas cordas, MC tem momentos genuinamente tocantes, mas sua letra talvez seja direta demais. Em contraste, “Abnormally Attracted To Sin” desafia qualquer expectativa, por seu título ter sido tirado de um diálogo de “Guys & Dolls”. Ela toma a referência e a transforma em algo completamente novo e inesperado, como o denso miasma de sintetizadores e Hammond, que nos leva de volta à entrada da igreja, na qual Amos não recomenda entrar se estamos usando celas pela aflição do título.

A tragédia de Abnormally Attracted To Sin como um todo é que há dois corpos distintos de trabalho aqui, e eles simplesmente não pertencem ao mesmo disco. Um é consistentemente inventivo, cativante e (o mais importante) sincero; o outro se assemelha a algo fácil e vulgar surgido com o estudo de personagens, formado de músicas bastante emocionais, que mereceriam uma produção mais refinada. “500 Miles” é em essência um material saltitante, enquanto a quase promissora de início “Police Me” é destruída por uma letra horrenda. Esta é tristemente uma característica definidora das piores faixas do álbum. As nuances brilhantes, alusões, espirituosidade e peculiaridades que esperamos de Amos estão ocasionalmente em falta. Invés delas temos referências desajeitadas como “Putinhas góticas” e GPS’s. Preferiríamos ter um ouvido preenchido de cidra. Em comparação, “That Guy” e ”Mary Jane” fazem o final denso da fatia teatral e nos mostra Amos num humor astuto e brincalhão, que deve funcionar melhor ao vivo.

Das canções que pertencem ao outro álbum, matador, “Starling” e ”Ophelia” são sólidas, se não forem um pouco familiares, enquanto os rodopios sulistas e encantadores e a pronúncia esquisita de “Fast Horse” unem-se surpreendemente bem. “Curtain Call” é Tori Amos em seu melhor ar de mistério, com um bom uso de tensão na canção. A letra é inteligente e cheia de metáforas “sexo e drogas”, e mesmo que pareçam autobiográficas, expandem-se a ponto de que você pode projetar suas próprias experiências nelas. “Lady In Blue” é um épico maravilhosamente hipnótico, que evolui deliciosamente devagar a um longo e soberbo clímax instrumental. Depois de “Give”, é de longe a mais surpreendente inclusão do álbum, repleta de paixão ardente e espirais de fumaça, além de uma enfeitiçante intriga... É equiparável ao melhor da incrível carreira de Amos. A docemente outonal e bem acabada bonus track “Oscar’s Theme” nos remete rapidamente a seus dias de piano solo, e à medida que o som vai se esvaecendo, você fica com vontade de ter mais desta Tori. Esta pianista ímpar do rock que pode lhe adentrar com somente um suspiro. Sim, esta é a dádiva dela.

Provavelmente nunca saberemos por que Tori tem insistido tanto, em seu trabalho recente, em ser tudo para todos, porém Abnormally Attracted To Sin é facilmente a experiência sonora mais irregular propiciada por ela. É um prejuízo para o fantástico álbum contido dentro de seu esparrame e seria uma pena para as pessoas ouvir os desejos de “500 Miles” e depreciar o álbum como um todo. A idéia de Amos em repensar o conceito de pecado pela igreja não cria um contexto coerente, então seria interessante ver em que o DVD bônus de “visualettes” contribuirá para isso, se em algo contribuir.

Já se passaram seis anos desde que ela lançou um álbum que soa como uma declaração artística concisa e cuidadosamente construída. E enquanto Amos continuar anormalmente assustada com a idéia de ser censurada parece que o todo ainda trairá a soma das partes.

Alan Pedder and Alex Ramon

Tradução: Hernando Neto
Revisão: Victor Hugo

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